Lindt dispara e Hershey tropeça: como o preço recorde do cacau está virando o jogo no mercado de chocolates
- Dalton Bermejo Wang

- 8 de jun.
- 5 min de leitura
Enquanto marcas premium como a Lindt crescem mesmo com o cacau nas alturas, gigantes como Hershey e Barry Callebaut enfrentam queda nas ações, encolhimento nas margens e consumidores mais exigentes. Entenda a virada no setor.

Auge e queda no mercado global de chocolate
Nos últimos dois anos, o preço do cacau sofreu uma escalada histórica, tendo quadruplado entre 2023 e 2024 . Fatores climáticos como El Niño, doenças em plantações e estoques limitados em Gana e Costa do Marfim — responsáveis por cerca de 70 % da produção global — elevaram os preços a patamares recordes. Em 31 de janeiro, o cacau atingiu cerca de US$ 10,75/kg, o maior nível em 60 anos.
Essa explosão de custo criou um choque no mercado. Marcas globais enfrentaram o dilema: repassar o custo ao consumidor ou cortar margens. É nesse contexto que vemos a Lindt & Sprüngli em ascensão, enquanto o efeito sobre a Hershey e a gigante de chocolates a granel Barry Callebaut revela fragilidades.
Lindt: premium, poder de fixar preços e crescimento firme
A estratégia da Lindt destaca-se por seu foco no segmento premium, com ênfase em qualidade, inovação de produto e fidelidade do consumidor.
Alta expressiva nas ações
Desde o início de 2024 até metade de 2025, as ações da Lindt subiram cerca de 28–29 %.
A empresa vem adotando aumentos de preços em dois dígitos, mantendo estoques e margens mesmo com o aumento do cacau.
Lançamentos de sucesso
O lançamento do chamado chocolate “Dubai‑style”, bastante sofisticado, foi descrito como um “blockbuster”, segundo analistas do UBS. Com isso, a marca já aparece entre suas melhores estratégias de produto.
Perspectiva para 2025
A Lindt já anunciou mais ajustes de preços em 2025, preparando-se para repassar parte da escalada global do cacau.
Executivos afirmam que o consumo de chocolates premium tende a crescer, sustentando essa margem de manobra .
A abordagem da Lindt se baseia no conceito "quantity to quality", priorizando menos volume, mas com valor agregado.
(veja o que é o mercado premium e por que ele cresce)

Hershey (via Barry Callebaut): desafios e fragilidades
🏭 A Barry Callebaut como fornecedora
A Barry Callebaut, principal fornecedora de chocolates a granel a empresas como a Hershey, registrou queda de cerca de 29–30 % em seu valor de mercado. As ações despencaram após:
Redução no teor de cacau em produtos para compensar custos;
Revisão para baixo das projeções de venda em abril;
Aumento significativo de posições vendidas (23 % das ações alugadas).
Analistas da Bloomberg identificam uma "tempestade perfeita": queda na demanda combinada com poder limitado de repassar preços ao cliente.
🍫 Impacto direto na Hershey
A Hershey sofre com:
Altos custos de matéria‑prima – o cacau elevado pressiona margens e fluxo de caixa.
Tarifas e barreiras comerciais – a empresa estima custos adicionais entre US$ 20–100 milhões por trimestre, buscando isenção tarifária nos EUA .
Adoção de shrinkflation – produtos com menos cacau e menor volume; alternativa que pode afetar percepção dos consumidores.
Mercado mais sensível – nos EUA, o consumidor reage mais a aumentos do que na Europa, visto culturalmente como compra por impulso .
Indicadores refletem esse cenário:
Em 1T 2025, a receita da Hershey caiu ~26,6 % na divisão de confeitos .
Projeções apontam para queda de 30–40 % no lucro por ação ajustado em 2025 .

Panorama educacional: diferença entre mercados europeu e americano
Essa divergência entre o desempenho de Lindt e Hershey reforça um contraste maior: a resistência europeia ao aumento de preços.
Segundo o Wall Street Journal, o hábito europeu de consumir chocolate regularmente, com maior foco em qualidade, sustenta volumes mesmo com preços mais altos. Já o americano tende a comprar por impulso, sendo mais sensível a reajustes
Comparativo:
Regiões | Perfil do Consumidor | Sensibilidade ao Preço |
Europa | Compra mensal, elevada fidelização | Baixa |
EUA | Compra ocasional, empresa impulsiva | Alta |
Empresas com presença diversificada — como Mondelez — sofrem menos. A Hershey, fortemente concentrada no mercado norte-americano (87 % das vendas), enfrenta maior risco frente à inflação do cacau, principalmente diante de políticas tarifárias .

Respostas estratégicas: inovação e sustentabilidade
🌱 Sustentabilidade e cadeia de suprimentos
A Hershey lançou o programa “Cocoa For Good”, investindo US$ 500 milhões em projetos de sustentabilidade e apoio a fazendeiros de cacau.
A empresa busca diversificar origens e fortalecer a cadeia, mesmo enfrentando tarifas e custos elevados de insumos .
🧪 Tecnologia como caminho
Lindt e outros, como Mondelez, planejam sobressubstituir componentes do cacau por alternativas sintéticas ou erguidas em laboratório — fermentação de precisão — o que pode mudar o jogo.
Produtos à base de óleo de palma ou manteiga de karité, ou mesmo chocolate cultivado em laboratório, já estão em fase de testes e podem se tornar mais comuns se a pressão pelos custos continuar .

Balanço: quem colhe os frutos — ou perde terreno?
Lindt: sai como grande beneficiada da crise do cacau. Protegida por sua estratégia premium, conseguiu repassar os aumentos de preço, fortalecer sua marca e expandir seu market share. Com previsão de nova alta de preços em 2025 e produtos inovadores, o cenário é favorável.
Barry Callebaut/Hershey: Sofrem pela incapacidade de repassar o custo, queda nos volumes e tarifas. Fórmulas como shrinkflation podem preservar margens, mas corroem valor percebido. A exposição ao mercado sensível americano agrava o problema.
Mercado global: quem atua com presença mista — Europa, América Latina — está melhor posicionado. Já players atrapalhados pelo custo do cacau e barreiras comerciais enfrentam maior volatilidade a curto prazo.
O que vem pela frente?
Tendência de manutenção de altos preços: analistas acreditam que o cacau seguirá elevado nos próximos anos, com perspectiva de normalização apenas em 2027/2028 .
Adaptação forçada do setor: via inovação — fermentação, substituição de ingredientes — e ajustes tarifários, ainda que regulatórios caminhem devagar.
Diferenciação de perfil de consumo: estruturação sofisticada (premium) garante resiliência ante crises; o contrário empurra os consumidores para concorrentes ou rótulos de inferior custo.
Monitoramento de políticas comerciais: tarifas ao cacau podem balançar os resultados; players negociam junto a governos para amenizar impactos.

Conclusão
A disparada do preço do cacau expôs de maneira clara quem tem poder de fixação de preços, inovação e posicionamento premium — e quem está mais vulnerável. A Lindt aproveita essa crise para crescer ainda mais e ganhar confiança do mercado. Já a Hershey, através da Barry Callebaut, enfrenta um contexto adverso: queda de volumes, receita e patrimônio.
No longo prazo, as movimentações sugerem um choque estrutural no mercado global de chocolate:
Quem focar em produtos de qualidade e assumir o ônus do reajuste se sobressaí.
Os que dependem de escala, altas quantidades e categorias econômicas, precisam reinventar estratégias — ou sofrerão ainda mais.
Além disso, a transição para ingredientes alternativos ou sintéticos pode moldar o perfil do setor daqui para frente, especialmente se a volatilidade do cacau persistir.
Para o consumidor, a pergunta que fica é: vale pagar mais por qualidade — ou vamos recorrer cada vez mais às versões econômicas? A resposta talvez resida mais na adaptabilidade das marcas do que no próprio chocolate.
Fontes: https://www.wsj.com/business/retail/soaring-costs-expose-a-trans-atlantic-chocolate-divide-93e596cc?utm_source=chatgpt.com / https://www.reuters.com/breakingviews/fake-chocolate-is-sweeter-bet-than-plant-burgers-2025-03-28/?utm_source=chatgpt.com / https://www.reuters.com/business/retail-consumer/swiss-chocolate-maker-lindt-will-increase-prices-again-2025-2025-03-04/?utm_source=chatgpt.com




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